Olhando desde a minha janela eu
posso te ver. Você está distraído com alguma coisa em seu computador. Você
senta no sofá e chama seu amigo pra ver algo que parece ser divertido. Você dá
uma tragada no cigarro e o descansa no cinzeiro. Apoia o computador na poltrona
ao lado e vai até a janela com o olha fixo na minha. Escondo-me rapidamente,
mas acredito que meu vulto ficou visível aos teus olhos. Minha respiração fica
cada vez mais rápida. Espio com o canto de olho e vejo sua mirada até a varanda
do meu quarto. Respiro aliviada, mas assim que relaxo seus olhos encontram os
meus. Fico travada. Você acena pra mim tranquilamente, e eu devolvo o
cumprimento com as bochechas coradas. Você abre a janela e grita algo. “Seus
copos estão aqui, quer vir buscar?”. Os copos. Benditos copos. Na noite em que
o conheci – em uma festa que deu em seu apartamento – levei alguns copos, mas a
bebedeira me fez esquecer de trazê-los de volta. Bom, ou foi a bebedeira, ou o
inconsciente mesmo, que inventou uma desculpa para nos vermos outra vez. Eu
abro a minha janela. “Em cinco minutos toco o interfone”. Sorrimos os dois. Ele
volta ao sofá e continua a fumar. Passo uma escova no cabelo, um rímel nos
cílios e vou com aquela roupa mesmo. Desci pelo elevador, já impaciente e saí
até a calçada do meu prédio. Atravessei a rua e chamei o 3ºB. “Sou eu”,
respondi quando atenderam. O prédio não tinha escadas, o que se tornou um
problema: além do meu nervosismo natural, o exercício que eu seria obrigada a
fazer me entregaria: ele notaria, pela minha respiração ofegante, que eu estava
caída por ele. Caída, não: derramada. Fui até a porta e tomei uma longa
respiração, tentando acalmar os batimentos. Mas era em vão: assim que ele
abriu, toda a tremedeira voltou. Ele também estava sem jeito. Os dois se
queriam, mas nenhum tinha coragem suficiente de tomar o primeiro passo. Tímidos
demais, medrosos demais. Medo de ouvir um não, medo da rejeição. Ele me guiou
até a cozinha e os entregou para mim. Enquanto passava pela sala, notei que seu
companheiro soltava risadinhas bobas, igual fazem as crianças quando algum
amiguinho está ao lado da paquera. Isso me deixou feliz Corrijo: deixou-me
MUITO feliz. Fui sentido a porta para sair. Ele me olhava fixamente; seu olhar
castanho penetrante era de tirar o fôlego. Fiquei corada. Ele me acompanhou até
o lado de fora e disse qualquer coisa – minha atenção não estava em sua fala,
mas sim em seus lábios. Fomos nos aproximando, sentindo a respiração alheia
mais de perto. Ele passou a mão pela minha nuca e deu uma puxada em meu cabelo.
Fechei os olhos para curtir aquela sensação. Sua testa se aproximou da minha e
seus olhos continuavam fixos aos meus. Eu podia sentir o sabor da respiração, a
mão dele revirando-se em meio aos meus fios de cabelo. Nossos lábios se tocaram,
estavam desejando muito aquele beijo que tardava. As bocas enroscaram-se e
permaneceram-se assim. Desgrudar não era uma opção válida. O beijo foi
tornando-se cada vez mais intenso, e só paramos porque seu amigo passou pela
porta. Demos um abraço forte e ele sussurrou em meu ouvido o quanto queria
isso. Apertei-o forte e desci as escadas. Algo estava por começar – e era algo
muito forte.
sexta-feira, 31 de julho de 2015
quarta-feira, 29 de julho de 2015
"Se não é capaz de melhorar o silêncio, cale-se"
“Se não é capaz de melhorar o
silêncio, cale-se”.
Uma vez me disseram essa frase e
ela caiu feito chuva em dia de seca aos meus ouvidos. Eu estava ocupando-me
demais com barulhos desnecessários em uma tentativa inútil de preencher meus
silêncios sufocantes. Mas desde quando ruídos externos serviram para pacificar
alguma alma perturbada? Que eu saiba, nunca. Pelo contrário: esses pandemônios
que criamos só fazem com que nos afastemos de nós mesmos, e todos sabemos o que
se passa quando isso ocorre: a algazarra torna-se tão, mas tão grande, que
somos vomitados do nosso próprio ser e nos sentimos vazios, sem graças, sem
ânimo.
Interpreto essa frase não apenas
no sentido de calar-nos a boca quando não podemos acrescentar algo útil a uma
conversação, mas vejo sua grande significação no sentido abstrato: não joguemos
tumultos no nosso silêncio. Sei muito bem que o silêncio é assustador tão bem
quanto sei que é pacificador. Pra que jogar entulhos no que está perfeitamente
arrumado? E também o contrário: se nossa alma está assim tão tumultuada, qual a
razão para não evocar o silêncio e assistir sua limpeza?
Temo que nossa sociedade cada vez
mais fuja da calmaria. Vivemos em uma era em que quanto maior o agito, melhor,
pois assim temos a desculpa da falta de tempo para resolver o que precisamos e
correr atrás do que nos faz bem. Nosso corpo tem um alarme de fábrica que
sempre indica quando estamos no caminho errado, e é quando soa esse alarme que,
quase sempre, significa que algo está errado. Porém, ao invés de nos retirarmos
um pouco da pulsação insana que é viver, afundamo-nos ainda mais no buraco
negro. E como eu sempre digo, suas atitudes possuem relação direta com seu
estado interior: se por dentro está uma bagunça, a bagunça será feita no
exterior; se está uma confusão, seu entorno estará confuso... E assim por
diante. E quem muito fala – sem ter realmente algo útil a expressar – é por que
está fugindo de seu silêncio. Dessa maneira, é preferível atuar na sua quietude:
ele é um grande palco.
terça-feira, 28 de julho de 2015
Monotonia
São sete horas da manhã e o
despertador me lembra de que está na hora de levantar. Coloco as pantufas que
estão ao lado da cama e caminho até o banheiro. Abro a torneira – a água está
gelada, por mais que seja inverno – e lavo o rosto. Minha cadela ainda não
levantou da cama, o que acaba me dando inveja. Passo um olhar por toda a casa e
percebo que estou só, e isso me deixa mais à vontade. Preparo meu café com
calma enquanto vejo as notícias que abalaram o país na noite anterior: polícia
mata bandido, bandido rouba posto de gasolina; policial é preso por traficar
droga, assassino é solto por bom comportamento; engarrafamento provoca acidente
e deixa quatro feridos e dois mortos. Decido desligar. Caos. Minha cabeça
começa a disparar rajadas de dor, por isso aproveito para tomar um comprimido
para poder trabalhar bem. Tomo o café vendo desenho animado, e logo em seguida
coloco meu uniforme e vou até a parada de ônibus. Chego atrasada, e ainda assim
me informam que mais atrasado do que eu, está o motorista. Doze minutos depois,
entro no ônibus. São oito e meia da manhã e o trânsito já está infernal. Desço
na parada apropriada para pegar o próximo ônibus – o trabalho é longe. Mais
vinte minutos de atraso, e o automóvel está, literalmente, cuspindo pessoas
para fora. Enfim, chego ao trabalho: atrasada, mas chego. O chefe me olha de
cara torta e me chama pra conversar mais tarde. “Já fiz merda”, penso eu. Entro
em meu gabinete e observo uma companheira juntando as coisas – foi demitida.
Aliás, isto aqui está mais para um campo minado: cada dia uma demissão estoura
em lugares inesperados – funcionários antigos, funcionários que necessitam
disso para sustentar quatro bocas ou mais, e funcionários desiludidos, como eu.
Pra mim, tanto faz, tanto fez. Está tudo péssimo e isso aqui não é o que quero
pra minha vida, mesmo. “Tomara que me mandem pra rua mesmo”. Faço meus
relatórios, almoço, e espero do lado de fora da sala do chefe. Eu entro e ele
me elogia, o que me pegou de surpresa. Esboço meu primeiro sorriso do dia – às
duas da tarde. Quando dou conta disso penso na grande ironia da vida, e o pior
é saber que há pessoas que sorriem mesmo sem motivo. Começo a crer que sou
ingrata. Decido sorrir para todos quando saio da sala. Sorrir, apenas. Noto que
as pessoas sorriem de volta, e isso torna a tarefa mais fácil. Fico contente.
Saio do trabalho, entro no ônibus – que chegou atrasado. A noite já começou a
cair. Sorrio para o motorista e para a mulher que está ao meu lado. Na parada
seguinte faço o mesmo. Sorrio para as pessoas e elas sorriem para mim. Percebo
que minha dor de cabeça não voltou. Entro em casa, estou sozinha outra vez.
Olho para o espelho e sorrio. E apesar da negatividade do dia, sinto-me bem,
sinto-me em paz. Embora sorrir não seja uma solução para os problemas da vida,
bobo é quem não o usa como analgésico...
sábado, 25 de julho de 2015
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Seus negros olhos sorriem
enquanto toco com suavidade seus cabelos. Deslizo a mão, encontro seu pescoço e
te beijo com força. Nossos lábios se roçam e nossos corpos se aconchegam. Seu
corpo é meu lar, você é meu lar. Seus cílios – preciosos cílios – fazem um
movimento que tranquiliza minha alma enquanto nossos olhares se cruzam, e ao encontrá-los,
minha mirada se renova: estou em casa. Suas mãos percorrem minhas costas
enquanto você derrama em meus ouvidos todo seu desejo, todo seu amor. Beijamo-nos
com mais força enquanto você me puxa mais para perto. Seus beijos percorrem toda
minha silhueta e, em um gesto gentil, encosta a cabeça em meu peito.
Acaricio-te enquanto o sono chega. Lá fora está frio, mas entre nós o calor é
intenso. A calma toma conta dos nossos corpos e você está entregue, assim como
estou. Beijo-te a cabeça e sussurro quanto te amo. Apagamos as luzes e fechamos
os olhos. Você me devolve o beijo e suspira, voltando a recostar a cabeça em
meu peito. Seus braços me envolvem com intensidade e logo se afrouxam. Um
último beijo, um último suspiro. Você adormece e seu corpo está acomodado, e eu
sei que você também está em casa. Somos nosso próprio lar.
sexta-feira, 24 de julho de 2015
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A tarde vai caindo
junto com a chuva. Cada gota chega ao solo com força, e com igual força o céu torna-se
negro. Ela se senta em sua varanda e sente o cheiro que paira no ar. Os carros
passam velozes; os poucos pedestres que sobraram correm em busca de abrigo para
seus corpos; os cachorros acompanham os humanos, mas estes se divertem mais com
a água que cai. Os pássaros, lentamente, param de cantar. A chuva parece
aumentar, assim como o vazio que invade não só a cidade, mas também seu
coração. Levanta-se, ignorando o celular que toca incansavelmente, e vai encher
seu copo. Enquanto a bebida entra, prepara sua mente para a noite que vai
chegar, na qual será forçada a despedir-se de quem se ama. Despedidas nunca são
fáceis, por mais comuns que sejam. Comuns porque sempre temos que fazê-las e,
ainda assim, nunca aprendemos bem como. É aquela vontade de querer aproveitar
cada minuto e sair da despedida sem o gosto de ‘quero mais’, mas nós, meros
mortais, raramente somos capazes disso: não sabemos aproveitar minutos com
total exclusividade, pois sempre colocamos sentimentos pessimistas em torno de
tudo. É incomum saber de momentos em que pessoas realmente souberam disfrutar,
e as despedidas são sempre assim – não sabemos o que fazer. É aquele velho
desejo de querer abraçar a pessoa – ou até mesmo o lugar – e guardá-la intacta
em um pote. Não queremos saber de mudanças, não queremos términos: fugimos disso
e esquecemos que, para que algo novo comece, o velho precisa estar acabado, e
isso tudo são modificações que nos marcam – e nem sempre para o bem. Porém, é
preciso ter consciência de que tudo nessa vida é efêmero, e o que hoje está
vazio, amanhã já estará cheio. Seja seu coração, seja sua mente, seja seu
ânimo. Sabendo disso, terminou o que estava em seu copo. A chuva cessou. As
nuvens espaireceram-se e estrelas começaram a iluminar a noite. Pássaros
voltaram a cantar, assim com a certeza de que tudo é nosso, volta - ou nem
sequer se vai.
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