domingo, 8 de setembro de 2013

E de repente... - Parte l

Já passava da meia noite quando ela entrou em seu quarto e colocou sua música predileta no rádio. Era uma sexta feira a noite e havia acabado de chegar da faculdade. Empurrou a cama e o criado mudo e resolveu mexer o corpo. Fechou seus olhos e se entregou ao ritmo como se estivesse se libertando de si própria. Dançou a mesma música umas cinquenta vezes - mas não se cansou. Fazia tempo que aquele sopro de liberdade não roçava seu frágil rosto. Em apenas uma semana pôde ver seu mundo virar de cabeça pra baixo e retornar no seu posto em questões de minutos. Tudo de que ela precisava era daquele conselho, daquela conversa que veio no momento certo para salvar sua alma. Palavras simples, mas que vieram no momento certo de seu devaneio. "Pare de tentar ser algo que você não é. Foda-se se você é tímida demais, foda-se se você não consegue simplesmente ignorar as coisas que acontecem como se estas fossem normais. Não precisa fingir que você não liga pra tal coisa se, na verdade, você está se corroendo. Seja sincera consigo mesma". Lembrou das palavras e colocou a música para repetir. Ser sincera consigo mesma. Não se enganar. Não se deixar levar por opiniões alheias. Viva à sua maneira. Já passava das duas quando resolveu deitar. Fechou os olhos e se mexeu na cama, buscando uma posição favorável. Foi quando seu celular tocou. Ela olhou. Ignorou. Fechou os olhos novamente. Tocou. Ignorou. Tocou. Desligou. "Agora não me venha encher o saco". Estava decidida a seguir sozinha sem dar explicações ou razões. Simplesmente desapareceria, pois já passava da hora de se encontrar, de se tocar, de se descobrir sozinha. Só iria pensar em companhia quando estivesse madura o suficiente para superar os desencontros que a vida propôs para que se encontrasse. "Sozinha. Eu e mais ninguém". O sono não chegou. Deu um beijo na mãe e disse que precisava sair um pouco; quem sabe assistir o sol nascer no capô do carro enquanto acendia um cigarro barato e exalava suas novas decisões. Pegou as chaves, abriu o carro e ligou o rádio. Saiu pelas avenidas sem destino e não pensou em parar. Passou por quatro cidadezinhas e avistou um bar. Parou por lá. Desligou o motor e o rádio. Comprou o tal cigarro barato e sentou no balcão. Pediu uma porção de salame e, enquanto esperava seu petisco, avistou um belo moreno do outro lado do bar. Trocaram olhares. "Pare de olhar pra boca dele, agora é você e você". Ela riu por dentro. Morenos sempre mexeram com ela. Morenos com lábios carnudos, nem se fala. Inspirou. O moço a olhava com olhos de tigre. "Puta que o pariu! Logo hoje que decidi ficar só; que ironia". A atração foi fatal. Levantou-se e foi até o banheiro. "Vou comer o salame e parar em algum lugar pra ver o sol nascer - sem homens". Olhou-se no espelho, prendeu o cabelo e um coque desajeitado e saiu. "Opa, o que esse gostoso quer comigo?", pensou enquanto trombava com o belíssimo na frente da porta do toalete. Desviou-se dele e sentou no mesmo banco em que estava antes. A porção ficou pronta - sorte, pois seu estômago já estava reclamando. Estava feliz com sua comida quando o garanhão sentou-se do seu lado. "Bosta, sei que não resistirei". Ela olhou para o lado, querendo rir com a malícia que passava pela sua cabeça. Ele fez um sutil "psiu" e abriu um largo sorriso. Ela olhou com cara de quem não quer nada. "Olá". "Você não se lembra de mim?". Merda, quem será. "Desculpe, mas não te reconheço de lugar nenhum; não que eu me lembre". Ele riu com o canto da boca. Belos lábios convidativos - pensou ela, já cheia de desejo. "Fui seu vizinho até os sete anos de idade". Puta merda, era o Rafa. Uau, ele cresceu, hen! "Nooooooossa, não acredito! Rafael! Como vai a vida?". "Vai ótima. E a sua?". "Vai bem também". Deram um longo abraço enquanto se cumprimentavam. Eles brincavam todo santo dia juntos na rua, naquela pequena casa, e quando Rafa se mudou, ela chorou por um mês todinho - ele era seu melhor amigo, seu companheiro de tudo. TUDO. E uau, ele está de matar! Ele aproximou-se de sua cadeira e passou as mãos lentamente sob suas coxas, como quem não quer nada. Olharam-se pesarosamente, e quando menos se deram conta, seus lábios já estavam no mesmo ritmo, dançando a mesma canção.